Sexta, 14 de Fevereiro de 2025
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Zildete Rodrigues: ‘’A literatura deveria estar em um patamar condizente com a sua importância para a formação do ser humano’’

“É claro que as dificuldades existem, muitas vezes são dolorosas, entretanto, elas nos trazem experiências”

20/03/2022 às 10h00
Por: Da Redação
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Zildete Rodrigues: ‘’A literatura deveria estar em um patamar condizente com a sua importância para a formação do ser humano’’

Apresentamos hoje no MULHERES QUE INSPIRAM a professora  Zildete Rodrigues da Silva Evangelista.

Nascida em Oeiras, vem de uma família simples, humilde e numerosa. Sua mãe, Maria Rodrigues da Silva, se ocupava da profissão de lavadeira e dos trabalhos domésticos, em casa. Seu pai, Eudóxio Oliveira da Silva (in memoriam) da profissão de Oleiro. Os dois, no período das chuvas, completavam o sustento da família, plantando: arroz, feijão e milho. “Éramos doze filhos, infelizmente só conheci sete irmãos, os outros quatros morreram ainda bebês”.

Professora pela rede Municipal e Estadual, graduada e pós-graduada em Letras-Português e Estudos Literários, e membro da Confraria Eça-Dagobertiana.

Zildete Rodrigues é uma apaixonada pela Literatura. E esse paixão, segundo ela, “Vem da própria vida, de um tempo em que se vivia a infância de maneira livre e inocente, sem correr nenhum risco. As brincadeiras nada mais eram do que as diferentes manifestações literárias. Sempre gostei de ouvir e contar histórias”

Conheça um pouco mais sobre Zildete Rodrigues:  

 

Fale um pouco sobre a sua inserção, formação e experiência profissional no ensino de Língua Portuguesa e/ou de Literatura.

Inicialmente, trabalhava em comércio. Todavia, carregava comigo o sonho de ser professora, o que tornou realidade por meio do concurso público. Em março de 1998 adentrei, com o coração acelerado e cheio de expectativa, uma sala de aula do Ensino Fundamental, ali, na Escola Municipal Professora Francisquinha Martins. Vale ressaltar que trago belas recordações e muitas aprendizagens daquele período, visto que o âmago do ensinar, é o aprender. Daí a parceria perfeita: ensino-aprendizagem, docente-discente.

Nessa época, munida do certificado do 2º grau, correspondente ao Magistério, prossegui a caminhada rumo ao Ensino Superior. E aí, me vi dividida entre dois amores: Língua Portuguesa (Letras) e Matemática. Eis aí a difícil escolha. Isso levou-me a passar bastante tempo na fila para a inscrição do vestibular que seria realizado pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI. Ora preenchia a ficha com o código de Letras-Português, ora com o de Matemática. Se isso era desgastante e martirizador, o pior estava por vir. Quando decidi por Letras, esqueci de apagar do último campo o código correspondente à área das exatas, o que inclusive cheguei a alertar à senhora que me atendia. Esta, tranquilizou-me, todavia não atendeu ao meu pedido.

Depois de participar, por dois meses e quinze dias, de um curso preparatório visando à aprovação no curso das inexatas, fui pegar o cartão de inscrição, isso a quarenta e oito horas da realização do exame. Lista acima, lista abaixo o meu nome foi minuciosamente procurado na turma de Letras. Ali, com o coração acelerado, eu já sabia o que havia acontecido. Naquele momento, eu era candidata a uma vaga no curso de Matemática. 

Parafraseando o grande Carlos Drummond de Andrade, pensei: '' E agora, José?'' (Zildete)?  '' No meio do caminho tinha uma pedra'' Como removê-la? Argumentei, em vão, com o Diretor, de então, do Campus Possidônio Queiroz. Fui orientada a conversar com o Reitor da UESPI, por meio de telefone. Argumentações e mais argumentações. A resposta viria depois, a exatamente vinte e quatro horas do grande dia. Noite longa, em claro, e finalmente o esperado '' Sim''. Concretizava, àquela altura, a vitória de poder concorrer a uma vaga no curso de Letras-Português. O futuro, vocês conhecem, é o meu presente.

Profissionalmente, sou feliz. Para mim, é uma dádiva de Deus poder contribuir com o crescimento do ser humano, tendo como instrumento a educação. Estar em sala de aula, como esperança para aqueles educandos, e buscando neles a palavra, o passo seguinte, é uma responsabilidade prazerosa. O processo ensino-aprendizagem não é unilateral, é recíproco: ensinamos e aprendemos, aprendemos e ensinamos. Crescemos juntos. O envolvimento é fundamental: docente e discente espelhando reciprocamente. Trabalhar a Língua portuguesa nas suas três vertentes: gramática, redação e literatura exige essa comunhão, aliada, óbvio, ao desenvolvimento do pensamento crítico. Eu sempre trabalhei assim.  É claro que as dificuldades existem, muitas vezes são dolorosas, entretanto, elas nos trazem experiências, que nos levam ao amadurecimento, embora na aula seguinte, temos que recomeçar.

De onde vem essa paixão pela literatura? 

Vem da própria vida, de um tempo em que se vivia a infância de maneira livre e inocente, sem correr nenhum risco. As brincadeiras nada mais eram do que as diferentes manifestações literárias. Sempre gostei de ouvir e contar histórias.  À noite, as calçadas ficavam ornamentadas de crianças para ouvirem nossos pais, tias, tios e demais familiares a contarem histórias. Quanta magia! Quanta viagem! Transportávamo-nos para dentro dos belos enredos e assumíamos as personagens protagonistas. Costumo dizer que esta é uma das muitas belezas da literatura, a de nos levar a transcender e a viver, ainda no plano terrestre, diversas vidas, tornando-nos, assim, intensamente humanos. Às vezes, quando não tínhamos o adulto para nos agraciarmos com as suas sabedorias, eu assumia o papel de contadora de história. E posso afirmar até hoje que, para eu contar um enredo, basta que me deem atenção.

Outra vivência com a literatura em tenra idade, eram as apresentações de dramas (quase sempre, teatro cantado). Achava tão magnífico as minhas irmãs apresentarem aquela brincadeira, que quando dei por mim, já estava totalmente envolvida. E o mais interessante em tudo isso é que era apenas brincadeira. Nenhuma de nós conhecia esse termo " Literatura".

Ouça essa historinha:

Certa vez, em uma reunião séria, entre crianças, para selecionar as "cantigas" a serem dramatizadas, a mãe de três participantes, ensinou-nos a seguinte valsa:

          "Oh! Que saudade que tenho

           Da aurora da minha vida,

           Da minha infância querida

           Que os anos não trazem mais"

           (...)

Fizemos tudo bonitinho. As crianças, vestidas de roupas de papel crepom, enfeitadas pela antiga areia brilhante (glíter- termo atual), saiam valsando, em diagonal, ao som da minha voz e da repercussão do couro de uma cadeira, para se encontrarem bem ao centro do palco, (taboado) e ali permanecerem em dança, no ritmo da melodia.

Tempos depois, passado todo esse momento, ao folheá-lo meu livro de leitura, eis a surpresa.  Lá estavam aqueles belíssimos e inesquecíveis versos, "Meus oito anos" do grande Casimiro de Abreu.

       

Qual o lugar da literatura na educação brasileira hoje?

A literatura deveria estar em um patamar condizente com a sua importância para a formação do ser humano de maneira global, razão e emoção, visto que ela apresenta funções primordiais para tais crescimentos. Entre elas destacamos, além das que já foram mencionadas: reflexão sobre a realidade em que se vive; ampliação de visão de mundo e formação de sujeitos críticos e aprendizagem de maneira lúdica. Todavia, essa arte sociocultural que se utiliza da leitura, escrita e interpretação- os três pilares do processo ensino aprendizagem- de forma mais humanizada, vem sendo um pouco deixada de lado, o que é lamentável, uma vez que não resta dúvida de que o/a aluno-leitor se sobressai melhor frente à realidade problematizada de um mundo paradoxalmente unificado e individualizado. 

Quais são as principais dificuldades encontradas em sua experiência profissional?

 -A lacuna entre a família e a escola;

-O pequeno poder aquisitivo de educadores e educando;

-Inversão de valores primordiais para o crescimento humano;

- Dificuldade no domínio da tecnologia.

-Carência de espaço físico escolar.

Você produziu lindos saraus literários que enchia os olhos de todos. Qual dessas edições te marcou? 

Desculpe-me, mas destacar uma edição seria trair a mim mesma. Já falei que me transportava. O envolvimento era tão acentuado que ali havia uma fusão: Sarau-Zldete; Zildete-Sarau. Também tive o privilégio de contar com uma grande parceira, a professora Girlene Tapety, que se envolvia da mesma forma. Esse é o lado mágico da literatura.

Em meio a tantas passagens inebriantes e memoráveis, vou lhe contar dois momentos. Depois de tudo ensaiado, o discente dominando o texto, eu e a professora Girlene fazíamos a reunião da véspera e ali tentávamos repassar tranquilidade referente à carga emotiva que tomava conta de todos, na hora das apresentações. Caso acontecesse alguém esquecer uma palavra ou um verso, que procurasse falar o que lembrasse no momento, sem dar entender ao público, uma vez que a poesia era do conhecimento dele (discente). E assim, quase sempre dava certo, com exceção de alguns, ou quem sabe, de muitos.

Pois bem, na empolgação do antológico “ Navio Negreiro” de autoria do poeta dos escravos, Castro Alves, o menino emudeceu-se. Ao perceber, gritei a palavra “Albatroz” e o navio seguiu com suas cenas dantescas. Outro momento, neste mesmo poema, o declamante, em desespero pelo esquecimento, jogou-se ao chão, com as mãos elevadas para o céu, como a pedir clemência. Ali, o público ficou de pé e pôs-se a bater palmas acompanhadas de gritarias, aclamando a declamação da noite.

 

Qual o livro e personagem da nossa literatura, preferidos?

Redundantemente lhe respondo que sou fiel ao caráter mágico da literatura. Em nome do “Bruxo do Cosme Velho”, epíteto atribuído por Carlos Drummond de Andrade ao nosso expoente Machado de Assis, eis alguns da nossa acentuada literatura:

           Livro                                  Personagem                           Autor

- Dom Casmurro-                              Capitu                                                     Machado de Assis

-Senhora                                             Aurélia                                                     José de Alencar

-Capitães da Areia                    (Os meninos)                                              Jorge Amado

-O Tempo e o Vento                ( Rodrigo Cambará e Ana Terra)             Érico Veríssimo

-Vidas Secas                               (Fabiano E Sinhá Vitória)                                                                      Graciliano Ramos

                                             (...)

 

Que leituras, especialmente literárias, podem nos ajudar a compreender o momento que vivemos no país? 

Diante dessa pandemia do novo corona vírus, responsável pela covid-19, existem vários, porém eu oriento alguns:

-Ensaio sobre a cegueira

    (José Saramago);

- A Dança da morte

    (Stephen King);

-A Peste

    (Albert Camus)

Além de Ensino Médio, você trabalha com o Ensino Fundamental. Qual o papel da literatura na formação da criança e do adolescente? 

Para a criança e o adolescente, como seres em crescimento, em formação, é fundamental o papel da literatura em suas vidas, uma vez que a sexta arte- definição dada pelo filósofo Ricciotto Canudo, em 1923, quando publicou o “Manifesto das Sete Artes”- se utiliza da escrita e da leitura, de forma sensível, provocando a desenvoltura humana de forma completa: razão e emoção.

 

Você é do bairro do Rosário, e uma referência para aqueles que ali moram. Quais influências o Rosário tem em sua vida? 

Todas. Nasci, cresci e estou envelhecendo neste doce Rosário negro. Aqui eu dei os primeiros passos e a continuidade deles para a minha vida inteira, sob a proteção de Jesus Cristo e da Santíssima Virgem Maria, mãe nossa e do Salvador do mundo.

Viva o Rosário!

Viva sua gente hospitaleira, de coração gigante!

 Você é professora referência para muitos oeirenses. Quais as suas referências?

Graças a Deus, tive a sorte de ter tido grandes professores, entre os quais eu destaco: Daniel Nascimento, Espírito Santo Rego e Araci Camargo (in memoriam). 

Como foi a sua infância? Que lembranças você guarda desse período? 

  Tive uma infância intensa, rica e feliz, embora os meus pais fossem pobres financeiramente, o que era insignificante frente ao universo de amor, carinho e respeito que nutriam pela família. Era um tempo em que a tecnologia de massa não existia em nossas vidas. As brincadeiras eram as mais variadas possíveis: esconde-esconde ou 31, cinco pedras, bonecas, brincadeira de roda, jogos com bola, macacão (amarelinha), banhos de chuva e as famosas concentrações nas calçadas para ouvir e contar histórias.

E o que falar dos banhos no riacho mocha? Ali aprendi a nadar os mais diversos tipos de natação, incluindo aí, os variados saltos, desde os mortais aos pulos de ponta, dos mais altos galhos das plantas ribeirinhas, das ribanceiras, ou os em pé, de cima dos ombros das amiguinhas.

Bela infância! Trabalhávamos brincando, brincando trabalhávamos! Tudo era motivo de brincadeira, até mesmo quando íamos à chapada quebrar lenhas para cozinhar o feijão com arroz. Andávamos livres pelas matas a colher as frutas que a natureza nos dava: caju, manga, pitomba, murici, xixá, inharé, ingá.... Eu sou essa vivência. Como diz o poeta William Wordsworth: “O menino é pai do homem”. Depois vi essa afirmativa, utilizada pelo nosso expoente da literatura brasileira, Machado de Assis, em seu romance “ Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Isso mesmo: “ O menino é pai do homem” A menina é mãe da mulher.

A infância é a fase mais importante da nossa vida. É ela quem define o tipo de ser humano a habitar o mundo.

 

Para você, o que é ser Mulher? 

 Ser Mulher é saber enfrentar a realidade, buscando superar obstáculos e limitações impostos por uma sociedade patriarcal.

É ter consciência de que somos filhas de Deus, dotadas de razão e emoção. E que só existe uma espécie com tais características: o ser humano.

Qual mensagem você gostaria de deixar para homens e mulheres no mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher? 

A equidade de gênero deve caminhar lado a lado com o respeito mútuos entre os seres humanos. Que essa luta seja uma bandeira empunhada por homens e mulheres.

 Esse é o caminho para uma sociedade justa e fraterna.

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